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Shadow investigation nas investigações internas

Publicado em 18 Junho 2024

No final da década de 1990 e início dos anos 2000, uma série de escândalos corporativos, como os casos Tyco, Enron e WorldCom, nos Estados Unidos, revelou graves falhas nos controles internos e na governança das empresas, que permitiram a prática de fraudes contábeis, levando à perda de confiança de investidores e do mercado financeiro em geral. 

Percebeu-se, então, a urgente necessidade de as empresas assumirem o protagonismo na adoção de medidas para identificar e corrigir irregularidades internas, antecipando-se aos potenciais efeitos desastrosos de tais atos, sob a forma de danos irreparáveis, financeiros e/ou reputacionais.

Em 2002, como parte da resposta aos escândalos antes mencionados, foi promulgada a Lei Sarbanes-Oxley, com o objetivo de aumentar a transparência financeira, melhorar a governança corporativa e os controles internos e, principalmente, exigir maior diligência no trabalho das auditorias (internas ou externas). 

Desde então, as empresas se viram obrigadas a promover investigações internas com mais frequência, principalmente quando é o auditor quem detecta alguma “red flag”. Diante da suspeita de fraude, corrupção ou mesmo denúncias de assédio ou qualquer ato de não conformidade que seja relatado a um canal de denúncia, há o dever de apuração. 

Como a investigação interna é conduzida pela própria empresa, a depender da gravidade do fato, pode haver a necessidade de se fazer o acompanhamento da investigação por uma equipe independente. A essa tarefa costuma-se denominar de “shadow investigation” (investigação sombra).  

No Brasil, apesar de não haver uma lei específica regulando essa delicada questão, há normas editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade, como a NBC TA 580 e a NBC TA 620, que tangenciam o assunto. 

A primeira trata da responsabilidade do auditor na obtenção de representações formais (por escrito) da administração da empresa e, quando apropriado, dos responsáveis pela governança, na auditoria de demonstrações contábeis. 

A segunda trata da responsabilidade do auditor em relação ao trabalho de pessoa ou organização em área de especialização que não a contabilidade ou auditoria, quando esse trabalho é utilizado para auxiliar o auditor a obter evidências de auditoria suficientes e apropriadas. 

Há, em complemento, um Comunicado emitido por aquele mesmo Conselho, o CTA 30, que traz orientações aos auditores independentes sobre a abordagem e os impactos na auditoria de demonstrações contábeis de entidades envolvidas em assuntos relacionados a não conformidade ou suspeitas de não conformidade com leis e regulamentos, incluindo atos ilegais ou fraude. 

Através da shadow investigation busca-se garantir a imparcialidade e isenção necessárias durante o trâmite da investigação e para dar a devida segurança para que o auditor possa assinar as demonstrações financeiras da empresa, sem ressalvas ou questionamentos. 

shadow investigation é conduzida, normalmente, por um escritório de advocacia, em conjunto com prestadora de serviços de forensic (investigações lícitas a partir de documentos e informações públicas, com o objetivo de instruir processos judiciais), constituindo, assim, um comitê independente de investigações a respeito do objeto (ou escopo) específico, tal como reclamado pela auditoria. 

A depender da natureza do fato, o comitê poderá ouvir explicações de colaboradores e realizar perícias técnicas em equipamentos funcionais (computadores, servidores, telefones celulares, como exemplos), desde que tais investigações sejam processadas com a concordância das partes envolvidas e preservados  direitos e garantias individuais.  

Vale dizer, qualquer que seja o método a ser utilizado, exige-se que a colheita de provas adicionais à investigação principal seja lícita — com isso, sublinhando a evidente recusa do uso de quaisquer meios de obtenção de provas considerados ilícitos. 

Deste modo, institutos como o direito à privacidade, a proteção de dados pessoais e, com especial atenção, os crimes tipificados na legislação penal, que resguardam direitos individuais e privativos da pessoa humana ou de organizações com personalidade jurídica, devem ser protegidos e resguardados.

A conclusão de uma shadow investigation dá-se pela emissão de relatório detalhado, descrevendo o fato ocorrido, colaboradores envolvidos, seguida da emissão de opinião legal, recomendando o encaminhamento a ser dado ao assunto, pelos agentes encarregados da auditoria ou à empresa, conforme o caso.

Portanto, através da shadow investigation, a empresa atestará sua integridade e conformidade com as leis, normas e melhores práticas de mercado, passando mais confiança ao público externo e seus stakeholders, pois demonstra preocupação com a identificação e prevenção de atos de não conformidade. 

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