A Entrada em Vigência da Nova Lei de Improbidade Administrativa: principais alterações trazidas pela Lei n° 14.230/2021 (Parte 2)
Fabiola Polatti Cordeiro
Anna Beatriz Leão
Dando continuidade ao tema, a presente publicação pretende prosseguir no enfrentamento das demais mudanças introduzidas pela nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 14.230/21).
Notadamente: (i) a criação de ação típica para o processamento de atos de improbidade; (ii) a legitimação exclusiva do Ministério Público para ajuizamento de ação de improbidade administrativa; (iii) a limitação de responsabilização de representantes das empresas às hipóteses de comprovada participação e obtenção de benefícios diretos e (iv) as mudanças relativas às sanções de suspensão dos direitos políticos e de aplicação de multa civil.
A CRIAÇÃO DE AÇÃO TÍPICA: A AÇÃO CIVIL PÚBLICA NÃO É MAIS CABÍVEL DIANTE DE CASOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Uma das inovações mais marcantes da nova legislação foi a criação de uma ação típica para o processamento de atos de improbidade.
A redação do artigo 17-D da nova lei introduziu a figura da Ação de Improbidade Administrativa como ação típica e específica para tutelar os direitos decorrentes da lei. A partir disso, a Ação Civil Pública deixa de ser o meio apropriado para essa finalidade[1].
O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO ÚNICO LEGITIMADO PARA AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
De acordo com a redação da antiga lei, tanto o Ministério Público quanto qualquer pessoa jurídica interessada[2] estavam legitimados para a propositura da Ação de Improbidade Administrativa.
A Lei n° 14.230/2021 disciplinou a questão de forma diversa, reservando exclusivamente ao Ministério Público a legitimidade para ajuizamento de Ação de Improbidade. Portanto, cabe à pessoa jurídica eventualmente interessada somente a faculdade de, quando intimada pelo Ministério Público, intervir no processo.[3]
A referida mudança teve como propósito impedir que Ação de Improbidade seja utilizada como meio de perseguição política. Desse modo, tão forte foi a preocupação do legislador em opor-se à tal possibilidade, que a nova legislação previu em seu artigo 3º que o Ministério Público deverá, no prazo de um ano da data de publicação dessa Lei, informar interesse em dar prosseguimento às Ações de Improbidade anteriormente ajuizadas pela Fazenda Pública, sob pena de extinção sem resolução do mérito[4].
A LIMITAÇÃO DAS POSSIBILIDADES DE RESPONSABILIZAÇÃO DE REPRESENTANTES DAS EMPRESAS
Outra relevante mudança trazida pela Lei n° 14.230/2021 diz respeito à vedação da responsabilização objetiva de sócios, cotistas, diretores e colaboradores de pessoa jurídica de direito privado, salvo quando comprovada a sua participação dolosa e a obtenção de benefícios diretos[5].
O novo texto de lei suprimiu a passagem da antiga redação que afirmava serem puníveis particulares que induzissem ou concorressem para a prática de ato de improbidade ou dele se beneficiassem “sob qualquer forma direta ou indireta”.
Na atual redação da Lei n° 14.230/2021, adicionou-se como requisitos para o processamento da ação de improbidade a presença do elemento subjetivo “dolo” (“àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade”) e a comprovação da participação e de obtenção de benefícios diretos (“comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação”).
A nova regra visa reverter a fórmula adotada pela Lei n° 8.429/1992, que impunha uma responsabilização quase automática das pessoas em decorrência de seus cargos nas empresas envolvidas nos supostos atos ímprobos[6].
AS MUDANÇAS RELATIVAS ÀS SANÇÕES DE SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS E DE APLICAÇÃO DE MULTA CIVIL
Como dito anteriormente, no primeiro artigo sobre as mudanças introduzidas na lei, há três modalidades de condutas ímprobas, previstas nos seus artigos 9.º[7], 10.º[8] e 11º[9]: as que produzem enriquecimento ilícito, as que causam lesão ao erário e as que violam princípios administrativos, respectivamente.
A nova lei operou mudanças bastante significativas no campo das sanções de suspensão de direitos políticos e de aplicação de multa civil, decorrentes das condutas acima elencadas.
No que diz respeito às condutas que impliquem enriquecimento ilícito, a nova lei suprimiu o tempo mínimo de suspensão de direitos políticos e aumentou o tempo máximo, de dez para quatorze anos[10]. O valor de multa civil, por sua vez, foi minorado; antes havia previsão de condenação ao pagamento de multa de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial, agora, vigora a previsão de que a multa civil seja equivalente ao valor do acréscimo patrimonial auferido ilicitamente.
Para dano ao erário, o prazo de suspensão dos direitos políticos foi mantido em oito anos, tal qual como era na Lei n° 8.429/1992. Todavia, o teto do valor da multa civil foi reduzido de até duas vezes o valor do dano para, novamente, o valor equivalente ao dano.
No que se refere à violação aos princípios da administração, a pena de suspensão de direitos políticos, que antes previa o prazo de até cinco anos, foi retirada da nova redação da lei e o valor de multa civil passou de até cem para até vinte e quatro vezes o valor da remuneração percebida pelo agente.
Há de se lembrar, contudo, que, segundo comando contido no parágrafo 2º, a multa civil pode ser aumentada até o dobro se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, o valor calculado é ineficaz para reprovação e prevenção do ato de improbidade.[11]
Por fim, bastante relevante, também, apresenta-se a disposição contida no parágrafo 1° do art. 12 da Lei n°14.230/2021, que determina que a sanção da perda da função pública somente poderá atingir o vínculo da mesma qualidade que o agente público ou político detinha na época do cometimento da infração. Apenas excepcionalmente, considerando-se as circunstâncias do caso e a gravidade da infração, tal penalidade poderá ser estendida aos demais vínculos.[12]
[1]“Art. 17-D. A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
[2] Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada.
[3] Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105.
[4]Art. 3º No prazo de 1 (um) ano a partir da data de publicação desta Lei, o Ministério Público competente manifestará interesse no prosseguimento das ações por improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda Pública, inclusive em grau de recurso.§ 1º No prazo previsto no caput deste artigo suspende-se o processo, observado o disposto no art. 314 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).§ 2º Não adotada a providência descrita no caput deste artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.
[5] “Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade. § 1º Os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação.
[6] Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
[7]Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei.
[8]Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei.
[9]Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições.
[10] I - na hipótese do art. 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 (catorze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze) anos;
[11] § 2º A multa pode ser aumentada até o dobro, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, o valor calculado na forma dos incisos I, II e III do caput deste artigo é ineficaz para reprovação e prevenção do ato de improbidade.
[12] § 1º A sanção de perda da função pública, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração, podendo o magistrado, na hipótese do inciso I do caput deste artigo, e em caráter excepcional, estendê-la aos demais vínculos, consideradas as circunstâncias do caso e a gravidade da infração.